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O aumento drástico do investimento em energia nos países africanos é essencial

Para muitos países africanos, as múltiplas crises recentes tornaram cada vez mais desafiante a obtenção de financiamento para apoiar as suas ambições em matéria de energia limpa, apesar das enormes necessidades do continente e dos seus ricos e variados recursos. África representa cerca de 20% da população mundial, mas atrai menos de 2% do investimento global em energia limpa. Nos últimos anos, os países africanos tiveram de lidar com uma série de crises simultâneas, incluindo a pandemia do Covid-19, as crises energética e alimentar, no seguimento da invasão da Ucrânia pela Rússia, e o agravamento dos riscos climáticos. Os custos associados aos empréstimos contraídos atingiram níveis insustentáveis em vários países e os encargos com o serviço da dívida representam agora o dobro do nível de investimento em energia limpa de todo o continente.   

Alcançar as metas climáticas e de desenvolvimento energético da região requer duplicar o atual investimento em energia de 90 mil milhões de dólares até 2030, altura em que quase dois terços dos gastos serão destinados às energias limpas. O investimento em energia em África tem vindo a diminuir nos últimos anos. Os gastos com combustíveis fósseis – que normalmente representam cerca de dois terços do investimento – diminuíram e o investimento em energias limpas estagnou. Este relatório explora as necessidades de investimento do continente no Cenário da África Sustentável (Sustainable Africa Scenario - SAS) desenvolvido no relatório Africa Energy Outlook 2022 da AIE. O SAS considera as diversas necessidades de diferentes países africanos e sectores e traça um caminho para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável relacionados com a energia, incluindo o acesso universal a serviços de energia modernos até 2030, assim como o cumprimento pleno e em tempo útil de todos os compromissos climáticos anunciados. Isto requer uma mudança radical no investimento, que deverá redirecionar-se de projetos de combustíveis fósseis, cujo principal propósito é o fornecimento a países estrangeiros, para projetos de energia limpa, incluindo um papel acrescido dos sistemas descentralizados. Tudo isto exige a abertura de um leque de novas fontes de capital e opções de financiamento.

Tornar o capital mais acessível pode desbloquear um desenvolvimento significativo em todo o continente

Apesar dos vastos recursos e de condições económicas de base favoráveis, inúmeras barreiras dificultam o desenvolvimento de projetos de energia limpa financiáveis em África e impedem investimentos privados em projetos e empresas na escala necessária. A crise da dívida em muitas partes do continente significa que o capital público disponível é limitado, inclusive para as empresas estatais de serviços públicos. O capital privado deve, assim, desempenhar um papel fundamental. No entanto, muitos investidores privados mostram relutância em entrar nos mercados africanos devido aos elevados riscos percecionados e reais. Em mercados mais incipientes, o ambiente regulatório não está, muitas vezes, totalmente desenvolvido e pode levar a instabilidade contratual e atrasos. Em países com dívidas crescentes, há maiores riscos associados ao pagamento por parte das empresas estatais de serviços públicos de energia. E em Estados frágeis, os riscos políticos e de reputação podem revelar-se demasiado elevados. Como resultado, a maioria dos investidores considera que não existem oportunidades de investimento suficientes. Por enquanto, as instituições financeiras de desenvolvimento são os maiores investidores em energias limpas na região.

A elevada perceção do risco e os riscos reais conduzem ao aumento dos custos de capital, o que pode tornar os projetos comercialmente inviáveis ou mais caros para o consumidor final. No Cenário da África Sustentável, as tecnologias implementadas em escala são maduras e comercialmente viáveis, utilizando alguns dos recursos renováveis de mais alta qualidade no mundo. No entanto, apesar do risco tecnológico limitado, em África os custos de capital em projetos de produção de energia limpa de grande escala são, pelo menos, duas a três vezes mais elevados do que nas economias avançadas e na China. E são ainda maiores para projetos de menor escala, especialmente aqueles que só conseguem aceder ao crédito de bancos comerciais locais. As medidas de mitigação do risco praticadas pelos credores, como a exigência de elevadas garantias, podem ser proibitivas. Isto atua não apenas como um travão ao investimento, mas também aumenta os custos da eletricidade para os consumidores, deixando-os dependentes de opções poluentes com menores custos iniciais, mas despesas operacionais muito mais elevadas.

Alcançar o acesso universal à energia requer uma mudança radical no financiamento de projetos de energia

Até 2030, o investimento no acesso à energia em África tem de atingir quase 25 mil milhões de dólares por ano para garantir o acesso a serviços de energia modernos a toda a população africana – uma pequena fração do investimento global em energia, mas um aumento considerável quando comparado com a despesa atual. Atualmente, mais de 40% da população africana não tem acesso à eletricidade e 70% não tem acesso a combustíveis limpos para cozinhar. Esta situação tem enormes impactos socioeconómicos. A falta de combustíveis limpos para cozinhar contribui anualmente para 3,7 milhões de mortes prematuras, afetando desproporcionalmente mulheres e crianças. Embora 25 mil milhões de dólares constituam apenas um pequeno montante no contexto dos gastos globais em energia – o equivalente a um novo terminal de GNL – este requer um tipo de financiamento muito diferente. É necessário investir em projetos de pequena escala, sobretudo em zonas rurais, por parte de consumidores cujos recursos financeiros são muito limitados.

Restrições ligadas à disponibilidade financeira (affordability) diminuem a probabilidade de os projetos serem comercialmente viáveis, mas há fortes argumentos a favor do financiamento concessional, dado o impacto social destes projetos. Estima-se que, devido a restrições ligadas à disponibilidade financeira, apenas cerca de metade das novas ligações de acesso à eletricidade (incluindo redes, minirredes e sistemas autónomos) que fornecem os serviços de energia mais básicos são passíveis de ser comercialmente viáveis sem incentivos tais como taxas de ligação reduzidas, tarifas mais baixas e equipamentos elétricos subsidiados. Sem auxílio financeiro, a maioria dos projetos de acesso a combustíveis limpos para cozinhar (com a exceção de fogões melhorados) não seriam economicamente acessíveis. As subvenções desempenham, portanto, um papel fundamental tanto no financiamento de programas de acesso para as famílias mais pobres (como o programa de minirredes para comunidades rurais na Nigéria) como no financiamento de fase inicial (early-stage) de empresas locais, tais como empresas fora da rede lideradas por mulheres (como no Ruanda, apoiado pelo GET.invest, um programa europeu especificamente desenhado para apoiar o investimento em projetos descentralizados de energias renováveis). As instituições de financiamento concessional podem também incentivar uma maior participação do capital privado através da criação de mais mecanismos de financiamento com capitais próprios (tais como o Beyond the Grid Fund for Africa), testando abordagens inovadoras de financiamento off-balance sheet ou extrapatrimonial (como no Togo), apoiando os bancos comerciais na concessão de crédito de longo prazo mais barato (como no Quénia) e financiando usos produtivos de energia (como no Uganda).

É necessário expandir os múltiplos instrumentos de financiamento ao futuro energético de África

Atualmente, existe um desfasamento entre o tipo de capital disponível e as necessidades do emergente setor das energias limpas em África, destacando-se a falta de financiamento early-stage e com capitais próprios. No Cenário da África Sustentável são necessários investimentos significativos em todas as áreas do leque das energias limpas. Para tal, é necessária uma vasta gama de instrumentos que impulsionem os projetos ao longo do seu ciclo de desenvolvimento. As subvenções e o financiamento com capitais próprios tendem a desempenhar um papel mais importante nas fases iniciais e mais arriscadas, enquanto o acesso ao crédito é mais importante quando um projeto entra nas fases de construção ou operação. Esta evolução do capital varia com a tecnologia, assim como com o momento em que o setor privado tem maior probabilidade de se envolver. No entanto, em todas as áreas das energias limpas, os investidores frequentemente apontam a falta de projetos passíveis de investimento, referindo a inexistência de financiamento suficiente nas fases iniciais, como por exemplo para a realização de estudos de viabilidade.

Nos projetos de energia limpa de grande escala e de utilidade pública, o capital privado pode assumir a liderança, mas o financiamento concessional desempenha um papel fundamental na redução dos riscos nos mercados menos desenvolvidos. Os projetos de energia renovável constituem uma grande oportunidade de investimento, representando no Cenário da África Sustentável 80 % do reforço da capacidade energética em todo o continente nesta década. O investimento privado tem vindo a crescer, por exemplo em energia solar fotovoltaica na África do Sul e no Egito, onde várias rondas de leilões deram origem a projetos liderados por privados. Em muitos países, porém, os projetos de energia renovável dependem total ou parcialmente do financiamento concessional. Muitos projetos comissionados até à data exigiram múltiplos instrumentos de reforço de crédito, incluindo garantias e uma partilha de riscos com instituições financeiras de desenvolvimento. As inovações neste domínio – como a criação de prestadores de garantias dedicados que apoiam projetos de energia limpa em mercados emergentes como Madagáscar, o desenvolvimento de produtos de cobertura do risco cambial como os oferecidos pela iniciativa de financiamento ao desenvolvimento The Currency Exchange e a introdução de novos mecanismos de apoio à liquidez no Gabão – já estão a permitir a mobilização de mais capital privado. No entanto, uma maior transparência em torno das condições de financiamento e dos reforços de crédito praticados muito provavelmente encorajaria a mobilização mais eficiente do capital privado, permitindo que as instituições financeiras para o desenvolvimento e os doadores se concentrem nos ambientes de investimento mais complexos.

Redes elétricas fiáveis e robustas são uma peça em falta no puzzle. No Cenário da África Sustentável, os investimentos na rede elétrica aumentam dos atuais cerca de 10 mil milhões de dólares por ano para quase 50 mil milhões de dólares até 2030, exigindo novos modelos de financiamento menos dependentes dos escassos fundos estatais. Muitas empresas públicas de energia africanas debatem-se com problemas financeiros e perdas elevadas nos seus sistemas, com uma média de perdas de 15 % em todo o continente em 2020, em comparação com a média global de 9 %. Como resultado, não possuem a capacidade de financiar a expansão e modernização das redes que a produção de eletricidade renovável exige. Paralelamente aos esforços para melhorar a robustez financeira dos serviços públicos energéticos, o aumento do investimento provavelmente dependerá de programas de incentivos e de capital concessional para desenvolver e testar modelos que transfiram parte do financiamento para atores privados. Países como o Quénia e o Uganda também já estão a testar abordagens inovadoras de concessão ou refinanciamento de ativos existentes com o apoio de instituições financeiras de desenvolvimento, que podem servir de modelo para outras partes do continente, se se revelarem bem-sucedidas.

À medida que a procura aumenta, a eficiência energética deve desempenhar um papel fundamental na economia energética africana, mas ainda não está a ser suficientemente priorizada. No Cenário da África Sustentável, os gastos com eficiência energética aumentam sete vezes até 2030, nomeadamente em áreas como os edifícios sustentáveis e equipamentos (como frigoríficos e aparelhos de ar condicionado) eficientes. Porém, o financiamento de projetos de eficiência energética pode ser um desafio, com menos de 15 % dos instrumentos de financiamento concessional a cobrirem investimentos na melhoria da eficiência. Embora muitos projetos de eficiência energética sejam rentáveis e resultem em poupanças, estes são de relativa pequena escala e existe uma reduzida consciencialização do seu potencial, riscos e modelos de negócio. O aumento do capital público – pelos governos, instituições financeiras de desenvolvimento e doadores – será essencial para aumentar a consciencialização, tal como a criação de esquemas de financiamento ao consumidor, como as chamadas hipotecas verdes (green mortgages) ou planos de pagamento no salário (on-wage) ou na fatura (on-bill), como no Quénia, Gana, Senegal e Ruanda. O acesso a crédito barato, através de instrumentos como as obrigações verdes (green bonds), pode também revelar-se particularmente significativo no caso dos edifícios.

O setor privado global pode desempenhar um papel significativo na mobilização de financiamento para o desenvolvimento de projetos de cadeias de abastecimento das energias limpas. Países africanos com reservas de minerais críticos – como a República Democrática do Congo, Moçambique e Madagáscar – ou com potencial para a produção de hidrogénio com baixas emissões de carbono, como a Namíbia e a Mauritânia, podem tirar partido da crescente procura global por tecnologias de energias limpas para impulsionar as suas indústrias nacionais. Grande parte do desenvolvimento dos minerais críticos pode ocorrer através dos balanços (balance sheet) das grandes empresas mineiras, ainda que o seu envolvimento esteja cada vez mais dependente tanto da situação regulatória como da robustez dos dados e políticas ambientais, sociais e de governança (ESG). O desenvolvimento da maioria dos projetos de hidrogénio com baixas emissões dependerá do apoio público, incluindo a etapa crítica de criação de normas comuns para o comércio de hidrogénio e da existência de um conjunto alargado de compradores dispostos a subscrever projetos de fornecimento com compromissos a longo prazo.

O capital concessional deve funcionar como um catalisador do desenvolvimento de projetos e do investimento privado

A par de melhorias nas políticas e na regulamentação, o Cenário da África Sustentável indica ser necessário um financiamento concessional na ordem dos 28 mil milhões de dólares por ano para mobilizar os 90 mil milhões de dólares de investimento privado necessários até 2030. Trata-se de um aumento dez vezes superior aos valores atuais e exige uma mudança significativa na forma como os prestadores de financiamento concessional operam. Embora estes prestadores continuem a atuar, em alguns casos, como financiadores diretos de projetos no quadro do Cenário da África Sustentável, pretende-se que venham a desempenhar um papel muito maior na mobilização do financiamento privado. Estão em curso diversas iniciativas, nomeadamente a Bridgetown Initiative, com o objetivo de rever e reformular o funcionamento dos bancos multilaterais de desenvolvimento. A intensificação do seu apoio ao investimento em energias limpas exigirá provavelmente uma maior utilização de instrumentos de financiamento misto (blended finance). As garantias e o financiamento concessional podem trazer elevados índices de mobilização e adicionar maior flexibilidade às fontes de financiamento disponíveis.

Com o ambiente regulatório adequado e o apoio na redução de riscos, a comunidade global de investidores poderia ser mobilizada para desempenhar um maior papel, inclusive no financiamento de ativos existentes. Os investidores institucionais em todo o mundo possuem biliões em ativos, mas têm atualmente um envolvimento limitado no setor da energia nos países africanos. É assim fundamental compreender onde podem ser mais bem utilizados e desenvolver os instrumentos apropriados. É pouco provável que investidores institucionais financiem novos projetos (greenfield), mas podem investir em projetos existentes (brownfield), seja através de programas de reciclagem de ativos patrocinados pelos governos – como na Gâmbia, Zimbábue e Togo – ou fornecendo refinanciamento por meio de obrigações verdes ou sustentáveis (green bonds), como no Egito e Nigéria. Tais investimentos têm a vantagem adicional de libertar capital que poderá ser direcionado para as fases de construção e desenvolvimento de outros projetos novos. Os mercados obrigacionistas internacionais podem também ser aproveitados para o desenvolvimento de projetos de eficiência energética – como no setor dos edifícios na África do Sul, Quénia e Costa do Marfim – ou para soluções inovadoras, como a criação de uma empresa de titularização que utiliza a emissão de obrigações para conceder empréstimos a instituições financeiras, como faz a plataforma de investimento de impacto Symbiotics. Os governos podem desenvolver taxonomias para ajudar esses mercados a crescer e usar um programa de títulos soberanos para ajudar a desenvolver o mercado de títulos corporativos, como na Índia e Colômbia.

Sistemas financeiros nacionais mais fortes são vitais para o investimento a longo prazo no setor energético

No Cenário da África Sustentável, o financiamento proveniente ou concedido através de canais locais quase triplica até 2030. O financiamento local elimina o risco cambial, reduz a exposição a choques externos e permite calcular os custos associados ao risco de forma mais eficaz devido à familiaridade com os mercados locais. O financiamento privado local pode provir, principalmente, dos bancos comerciais e de uma base crescente de investidores institucionais, nomeadamente os fundos de pensões. Hoje, com exceção dos grandes bancos pan-africanos, a maioria dessas instituições não possui familiaridade com a indústria para participar ou fornecer capital acessível. Os governos podem estimular este envolvimento através da criação de mecanismos públicos de financiamento verde, apoiados pela capacitação e por fundos concessionais de instituições financeiras de desenvolvimento e doadores para reempréstimo, como se viu na África do Sul, no Ruanda e na Iniciativa do Banco Verde Africano do Grupo Banco Africano de Desenvolvimento. Do mesmo modo, as instituições financeiras de desenvolvimento podem apoiar a criação de mecanismos destinados a aumentar o envolvimento do capital local, tais como os fornecedores de garantias em moeda local na Nigéria. 

As soluções existentes demonstram que as necessidades de investimento em energia são concretizáveis, mas desafiantes

A expansão e replicação de soluções de financiamento inovadoras já existentes exige uma abordagem coordenada por parte dos governos africanos, das instituições financeiras de desenvolvimento, dos doadores e do capital privado. Para este relatório, com o apoio do Grupo Banco Africano de Desenvolvimento, foram analisados mais de 85 estudos de caso e conduzidas entrevistas com mais de 40 partes interessadas que têm atualmente em operação projetos de energia limpa, empresas ou programas de financiamento bem-sucedidos no continente. Esta pesquisa revelou uma série de boas práticas que podem ser replicadas. Destacou igualmente alguns dos principais obstáculos recorrentes. Por exemplo, as instituições de financiamento concessional podem ter de assumir mais riscos, incluindo em fases de pré-desenvolvimento, para ajudar a posicionar mais projetos financiáveis junto dos investidores e intensificar o apoio em países frágeis e de baixo rendimento. Os governos africanos também precisam de criar um ambiente propício adequado, garantindo uma regulamentação estável e empresas públicas de energia financeiramente fiáveis. Enquanto isso, o setor privado pode garantir uma quantificação exata dos riscos e trabalhar em conjunto com prestadores concessionais de instrumentos financeiros mistos, particularmente em tecnologias e mercados já comprovados. O setor africano das energias limpas representa uma enorme oportunidade de crescimento, emprego e inovação. Todos os partes interessadas – públicos e privados, nacionais e internacionais – terão de desempenhar o seu papel para impulsionar o continente rumo a um futuro energético sustentável.